Talentoso desde pequeno, seu pai viu nele e em seus irmãos um bom filão.


Talentoso desde pequeno, seu pai viu nele e em seus irmãos um bom filão.
Criança deve ter seu tempo para desenvolver-se física e emocionalmente.

Ana Cássia Maturano
Do G1, em São Paulo

Mais um ídolo se vai. O mundo inteiro chora a morte de Michael Jackson. Para alguns, esse fato não parece real. E não é por não gostarem dele. Simplesmente por não conseguirem conceber isso. Afinal, ele não parecia humano, com sua aparência bizarra e sua vida cheia de esquisitices, que permitiam à nossa imaginação alçar altos vôos.

Choramos sua morte. E a impressão que fica é que Michael chorou sua vida. Uma vida que para muitos parecia ter tudo para ser feliz – fama, dinheiro, sucesso. Mas será que isso basta? Acho que para ele não bastou. Não que ele precisasse de coisas de outro mundo. Provavelmente precisava de algo mais simples. Sua vida de volta. Ou algo que imaginava ir de encontro a ela.

A história de Michael não foi fácil. Sua infância lhe foi surrupiada. Talentoso desde pequeno, seu pai viu nele e em seus irmãos um bom filão. Explorou-o e o obrigou a trabalhar exaustivamente. Gravava durante todo o dia sem poder brincar quando contava com apenas seis anos. Diante dos erros, era severamente castigado. Não havia espaço para ser ele próprio. Além disso, o pai o criticava muito, principalmente em sua aparência. Seu temor era tanto que diante da figura paterna chegava a vomitar.

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Muitos dizem que ele não cresceu e que queria ficar sempre criança, assim como Peter Pan em sua Terra do Nunca. Provavelmente buscava algo que nunca teve e pelo qual nunca passou _a infância_ e tudo o que ela proporciona para que nos tornemos adultos saudáveis e emocionalmente preparados para enfrentar a vida.

No caso, ele teve que fazer isso precocemente. Desde cedo enfrentou o que muitos adultos não dão conta de enfrentar: o sucesso e a fama. Se isso chega a ser demais para alguns adultos, imaginemos para um garotinho, que vivia com medo do pai. Que não podia errar. Até porque, as exigências que são feitas a um artista são maiores. Ele se expõe a muitos milhares de pessoas. Michael Jackson vendeu um milhão de cópias de seu segundo disco solo (Ben – 1972) com apenas 14 anos de idade.

Não deu tempo de ele amadurecer. Não à toa era todo indefinido: branco ou preto; homem ou mulher; adulto ou criança? Como um adolescente que experimenta várias faces até encontrar a sua própria. E ele foi até onde deu.

Sucesso

Alguns confundem se dar bem na vida com ganhar milhões. Talvez os pais de Michael pensassem assim também. E outros tantos por aí que vêem nos seus pequenos a possibilidade de alcançarem algo que nunca tiveram. Exigem deles aquilo que não podem e não devem dar – sua infância. Talvez uma das coisas mais preciosas de nossas vidas.

Mas por serem bonitinhos ou espertinhos são lançados num trabalho artístico bastante exigente. E que é um trabalho. Algo que pertence ao universo dos homens adultos. Criança não deve trabalhar. Ela deve ter tempo de brincar, aprender, conhecer, desenvolver-se física e emocionalmente num lar minimamente saudáve para então depois seguir as outras etapas da vida.

Michael não é o único exemplo de astros mirins que se atrapalharam durante suas vidas. Há vários outros como ele. E outros virão. Quem sabe ao menos sua infelicidade sirva para que os pais de futuros “astros” mirins possam ver seus filhos apenas como crianças. Menos como negócio.

É de responsabilidade dos pais criar condições para que seus filhos sejam felizes. O que certamente não se resume a milhões de dólares. Michael Jackson que o diga.


(Ana Cássia Maturano é psicóloga e psicopedagoga)

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