A Coca-Cola sempre investiu em imagens simbólicas para
alimentar a memória emocional das pessoas. A própria imagem do Papai Noel foi uma das personalidades
icônicas usadas pela marca, de tal forma que alguns dos meus alunos imaginaram
que havia sido a própria Coca-Cola a inventora do protagonista maior do Natal,
principalmente pela cor vermelha das suas vestes. Porém, o mito de Papai Noel
vem da inspiração mítica de São Nicolau de Mira, no Século IV, na distante
província da bizantina Anatólia. A roupa vermelha, dizem que foi gravada para
sempre por Thomas Nast em uma edição de janeiro da Harper's Weekly em 1863. A Coca-Cola somente
usou muito bem o que já existia.
Outro símbolo do Natal, que a marca vem usando, é a
população dos simpáticos ursos polares brancos. Segundo o depoimento de Katie Bayne, presidente da Coca-Cola da
América do Norte, desde 1922 permanecendo até hoje "como um dos mais
adoráveis símbolos da Coca-Cola". Procurando por um parceiro de peso, a
empresa se juntou ao WWF- World Wildlife Fund - para lançar uma campanha
focando na proteção dos ursos polares no seu habitat ártico. No primeiro dia de
novembro desse ano, a campanha Arctic Home foi ao ar. A empresa doou
inicialmente U$ 2 milhões à WWF e convidou os consumidores da bebida para que
também colaborassem no seu esforço. A cada doação dos fãs de US$ 1, a empresa também doaria
mais US$ 1, até o valor de US$ 1 milhão.
Para chamar a atenção do varejo e marcar a campanha, a
Coca-Cola lançou uma elegante lata promocional toda branca com uma mãe ursa
acompanhada de seus dois filhotes. As campanhas de uma das mais amadas marcas
do mundo sempre são espetaculares. Essa não foi diferente: anúncios, site
interativo sedutor, filmes colocados no YouTube, além de declarações da
responsável por ações sustentáveis da Coca-Cola e do presidente do WWF. Uma
parceria especial com a produtora MacGillivray Freeman Films, Warner Bros
Pictures e IMAX Corporation vai gerar um filme 3D sobre os ursos polares para
ser lançado em 2012. "Uma ação inspiradora".
As embalagens promocionais ficariam nas prateleiras até
fevereiro de 2012. Ficariam. Estão sendo retiradas e substituídas por uma
versão vermelha. A paisagem ártica ficou vermelha. O que aconteceu? Quando
lançada, a nova embalagem havia sido bastante elogiada tanto por profissionais
como por consumidores.
Segundo a própria Coca-Cola, que desconversou, quase nada
aconteceu. Scott Williamson, um
porta-voz da empresa, disse que os executivos de marketing queriam lançar uma
campanha disruptiva para chamar a atenção. O branco polar era ousado e
reforçava o tema da campanha de proteção aos ursos. "A lata foi bem
recebida e gerou muito interesse e emoção'', disse Williamson. Mas a empresa se
contradisse ao tentar confirmar o número de latas brancas e vermelhas nas
prateleiras.
Já para o Wall Street Journal, que andou pesquisando pelo
mercado, a versão com fundo vermelho está substituindo rapidamente a versão
ártica. Embora a marca tenha sempre lançado novas embalagens promocionais, essa
foi a primeira vez que o vermelho dominante desapareceu. Alguns consumidores
reclamaram que a embalagem promocional parecia-se demais com as latas pratas de
Diet Coke. Outros juravam que o sabor da bebida havia mudado com a mudança das
cores. Os radicais, argumentaram que eliminar o vermelho beirava o sacrilégio.
Essa mudança súbita nem de perto lembra a confusão
alvoroçada de 1985, um ano antes de completar 100 anos. Por causa da
concorrência da Pepsi, a Coca-Cola alterou a receita da bebida baseada em
extensa pesquisa com consumidores, deixando-a mais doce. A revolta foi tão
grande que abalou toda a empresa como um tsunami. Tudo deu errado, os fiéis
bebedores odiaram a mudança acusando a empresa de negligente e oportunista. Os consumidores
não compram sabor do produto, mas uma história autêntica na qual possam
confiar, como diz Pyr Marcondes. A Coca-Cola aprendeu que ela não era a
verdadeira dona da marca, mas somente uma fiel (no caso, infiel) depositária da
emoção dos consumidores.
Naquela época, a Coca-Cola demorou 3 meses para reagir e
relançar a Coca-Cola tradicional, agora denominada de Classic. A New Coke
continuou nas prateleiras por 5 anos até se transformar em Coke II. Hoje , a
internet e a nova cultura interativa fizeram com que a sensibilidade popular se
manifestasse instantaneamente. Entre centenas de telefonemas e tweets havia os
que acusaram a Coca-Cola de atitudes de malandragem e blasfêmia. Outras pessoas
defendiam a elegância das latas árticas e diziam que só idiotas confundiriam os
produtos nas prateleiras. Mas as aeromoças de um vôo entre Milwaukee e Atlanta
se confundiram e serviram a bebida errada. Um casal postou no YouTube um vídeo
no qual a mulher afirma que é capaz de reconhecer, em um teste com os olhos vendados,
o sabor vindo de uma lata vermelha diferente de uma lata branca. Outro
comentário foi pelo fato de que a quantia doada era muito menor do que a verba
da campanha. Em um mês, a campanha empacou.
Resumindo, um debate cheio de frustrações e palavras emocionais.
Na verdade, não está claro até onde a reação pública poderia alcançar. Para se
afastar de possíveis problemas maiores, a Coca-Cola está substituindo as latas.
Mas o que me chama atenção da situação é a analogia entre
marca e religião. Nessa embrulhada, alguns consumidores usaram palavras como
blasfêmia e sacrilégio. Um pesquisador já havia feito essa relação depois de
uma viagem a Bangkok. Lá ele encontrou estátuas também dedicadas a celebridades
e marcas, como os símbolos religiosos tradicionais. Essa percepção se confirmou
durante um estudo com 2 mil pessoas, na qual a mesma região do cérebro era
ativada quando as pessoas falavam de religião ou de assuntos mundanos, como
marcas ou celebridades. Ele foi adiante e conversou com padres, sacerdotes, religiosos
e rabinos, que relataram suas experiências com símbolos, visões, rituais,
storytelling e evangelismo, assuntos familiares para quem se dedica à
construção do branding de marcas. O autor é Martin Lindstrom, uma das 100
pessoas mais influentes pela lista da revista Time de 2009. Ele é um
especialista em neuromarketing, uma disciplina que foi beber na neurociência
que cresceu exponencialmente nessa última década.
Em confronto, mestre Francisco
Alberto Madia de Souza, fundador da Madia Marketing School e da Academia
Brasileira de Marketing, acha o neuromarketing uma bobagem ridícula, chamando-a
de neuroembromation, "bulshitagem pura". Para ele, é necessário
observar, compreender e analisar o comportamento das pessoas em um piscar de
olhos, por uma equipe sênior e competente. Essa seria a "única maneira
eficaz de sobreviver e prosperar neste admirável mundo novo". O irônico
mestre Madia diz que as mega corporações são lerdas e ainda estão aprisionadas
ao modelo da cultura industrial, além de gostar de investir em
"quinquilharias e penduricalhos". "Neurosqualquercoisas e
dinossauros corporativos se merecem: nasceram um para o outro."
Resumindo, pela segunda vez, outro debate emocionante. Como
observador neutro, consigo ver razão e significado nas duas perspectivas, na
importância da neurociência e na análise dos fatos por pessoas experientes.
Vamos voltar ao assunto inicial e juntar todas as
informações. Na minha opinião, embalagens promocionais servem para fazer
experiências sem grandes ameaças à marca. Elas servem para testar a
elasticidade do perímetro ocupado pela marca. Promoções possuem uma grande
vantagem. Elas têm data para começar e para terminar. Se acontecer um desastre,
suspenda a promoção e depois avalie os danos colaterais. Não sei se a Coca-Cola
tinha, ou não, um plano B preparado mas parece que algum plano foi usado de
forma rápida.
Minha empresa esteve no centro de uma experiência parecido.
A cerveja Brahma desejava mudar sua lata, de dourada para branca. Usou-se o
revéillon para testar uma lata branca promocional, que foi um sucesso. O
racional era forte: a cor do revéillon é o branco. Mas tudo poderia dar errado,
como nos Estados Unidos. Lá o Natal também é branco, assim como o habitat dos
ursos polares. Um racional bem elaborado não garante previamente um resultado
de sucesso.
Para fechar, vou novamente falar sobre o design thinking.
Sua metodologia prática inclui observação, compreensão, análise e diagnóstico,
além de experiência com símbolos, visões, rituais, storytelling e até mesmo
evangelismo. Parece-se bastante com todos os atributos citados acima. Plagiando
mestre Madia, se ele for praticado por profissionais experientes e competentes,
tem uma grande chance de ser bem sucedido.
Mais duas observações para encerrar. Primeira: uma das ferramentas
do design thinking é a prototipagem rápida, que nos protege do erro futuro.
Quanto mais cedo errar, mais cedo podemos acertar. Mesmo com todas as
pesquisas, a Coca-Cola se surpreendeu. A prototipagem rápida é um processo
iterativo inventado pela ciência e que vem funcionando há séculos. Segundo: o
design thinking é uma prática multidisciplinar e não descarta qualquer tipo de
conhecimento. Que venha o neuromarketing e a sabedoria dos sêniors. Nossa
intuição é generosa e faminta pelos diversos talentos humanos. Tudo serve para
nos inspirar e alimentar a nossa invenção. Design thinkers costumam ser
otimistas e curiosos criativos que enfrentam desafios com bom humor.
Rique Nitzsche – é
design thinker e comanda a criação estratégica da AnimusO2, a primeira empresa brasileira
de shopper marketing a usar a metodologia do design thinking, palestrante e
responsável pela montagem das disciplinas de design estratégico e design
thinking da pós-graduação da ESPM/RJ.
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