O mundo não acabou. (né)
Dito isso, o apocalipse
"previsto" pelos maias para o dia 21 de dezembro foi uma muvuca muito
bem aproveitada pelo governo do México, onde fica Chichén Itzá, a principal
ruína do povo pré-colombiano.
O país esperava 700 mil
pessoas para celebrar o evento ontem. Embora a cifra não tenha sido atingida, o
local, no atual Estado de Yucatán, sudeste do país, lotou desde o início do
dia.
Visitantes aproveitavam a
mudança de era como bem entendiam.
"Essa tribo não é a minha
tribo", dizia Monti Henson, índia cherokee da Califórnia. "Mas nós
estamos todos aqui filtrando essas energias", afirmou, antes de abraçar a
reportagem da Folha.
"Estamos em uma tentativa
multicultural de mudar as eras projetando amor e paz." Talvez muito pouco solene para
quem esperava caos, pânico e desordem. O porém é: quem tinha essas expectativas
apocalípticas?
Não os maias. Para o
arqueólogo William Saturno, da Universidade Boston, a ideia de que esse sábio
povo ameríndio previu o fim do mundo é uma interpretação contemporânea.
"E não está nem perto de
ser uma interpretação correta", afirma.
Os maias usavam um calendário
específico para períodos longos demais. Era dividido em 13 períodos denominados
baktuns, cada um equivalente a 144 mil dias (394 anos).
A confusão ocorre porque o
calendário termina no 13º baktun, que coincidiu com o dia de ontem. Depois, o
quê? Destruição? Não, só recomeço. "Chega um ponto em que os dígitos são
zerados", diz Saturno --que passou o fim do mundo sentado, em casa.
CENSO
Ontem (21/12), em Chichén Itzá , havia
uma concentração incomum de pessoas loiras, de trancinhas e descamisadas.
Provavelmente foi batido o
recorde de pessoas fazendo ioga diante de uma pirâmide e imitando o som de
abelhas zunindo.
Zoe Allison, da Carolina do
Norte (EUA), caprichou na produção, com uma bolsinha pendurada no pescoço
bordada com temas ameríndios. Era, afinal, um dia especial para ela.
"Viemos do submundo para novas possibilidades", diz. "Viemos
criar um mundo sem esforço."
Para os cerca de 800 mil
descendentes dos maias, povo que teve seu auge entre os séculos 3 e 10, ontem
foi dia de aumentar o faturamento.
Roch Cam ("o sobrenome
significa serpente", diz) montou sua tenda entre o poço sagrado e a
pirâmide de Kukulcán, oferecendo máscaras de jaguar por US$ 8 cada uma.
"Não é o fim do mundo,
como as pessoas dizem", afirma. "Este é o começo de uma nova era para
nós."
Festas foram organizadas em
todo o México, que aproveitou o evento para se promover como novo destino
turístico.
Não em todos os casos, porém,
os eventos contaram com a participação da população descendente dos maias.
O guatemalteco Felipe Gomez,
líder da aliança de povos maias Oxlajuj Ajpop, torceu o nariz diante das
festas.
"O governo não está
interessado em conhecer profundamente o calendário maia e a profundidade
científica do evento", disse. "Na Guatemala, e em toda a região, há
uma exclusão política, social e econômica dos maias, pois o sistema é monocultural."
"É um golpe
midiático", criticou Patrick Johansson, professor da Universidade Nacional
Autônoma do México. "Nostradamus saiu de moda, então veio essa espécie de
epidemia. Mas não vai ser catastrófico para o turismo --turistas vão gastar muitos
dólares em Cancún."
"É uma coisa
espiritual", disse Spruce Hauschildt, que veio de Sebastopol, Califórnia,
especialmente para o evento. Antes da reza, ele participou de uma caminhada
carregando velas rituais. "Estou me preparando há anos para essa transição."
"Muitas graças ao povo
maia por guardar a verdade!", gritava uma mulher, em um dos círculos de
prece.
O cheiro de mirra, o som dos
tambores e a gente deitada na grama faziam alguns dos visitantes evocarem, não
sem razão, os anos 1970.
O clima não se resumiu ao
México. Em locais de peregrinação mística ao redor do mundo houve celebrações.
Exemplos foram Capilla del Monte, na Argentina, e o pico de Bugarach, na França.
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