Pobre sou eu, mas quem perdeu R$ 46 bilhões de um ano pra cá foi ele. E agora Eike não tem mais
como se manter. Pelo menos não na lista dos 100 mais ricos do mundo. A fortuna
dele está em R$ 22 bilhões (US$ 10,7 bi), segundo a Bloomberg. É só um terço do
que tinha em março de 2012.
Agora Eike precisa
multiplicar o dinheiro dele por sete para conseguir o que queria, que era tirar
Carlos Slim da liderança do ranking
dos mais ricos da Terra. Há um ano, o placar estava em US$ 74 bilhões para Slim
contra US$ 34 bilhões para o brasileiro. Agora são US$ 68 bi X US$ 10,7
bi. Não tá fácil pra ninguém…
Eike foi campeão mundial de offshore em
1990. E entende o ranking mundial de bilionários como se fosse o ranking
mundial de pilotos de lancha: “Quando
você é um piloto, quando você compete, isso nunca sai do seu sangue”, ele
disse numa conferência em
Los Angeles , há dois anos. “Então.. Eu tenho que competir com o Sr. Slim”. A plateia deu
risada. Achou que fosse piada. Não era: “Não
sei se vou passar ele pela direita ou pela esquerda. Mas eu vou passar”.
Não rolou. Eike
acabou sendo ultrapassado por um pelotão. Até outros brasileiros deixaram nosso
piloto de lancha para trás. Pela direita, passou o banqueiro Joseph Safra (US$ 12 bilhões), piloto
veterano nas listas de mais ricos do mundo. Pela esquerda, veio a empreiteira Dirce Camargo (US$ 13,8 bilhões), da Camargo Corrêa, outra escuderia
tradicional do automobilismo financeiro.
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Jorge Paulo Lemann |
E quem passou voando mesmo por Eike
foi o cervejeiro, hamburgueiro e agora vendedor de catchup Jorge Paulo Lemann. Com US$ 19,8 bilhões, o criador da Ambev, dono do Burger King e sócio de Warren
Buffett na Heinz é quem ostenta
o troféu de mais rico do país.
O que aconteceu com
Eike, então? Pista escorregadia? Pneu estourado? Problema hidráulico? Bom, se
juntar bilhões é um esporte – e é mesmo – um jeito de achar a resposta é
analisar como foi a carreira dele desde as “categorias de base” dessa modalidade.
Eike ficou rico quando tinha praticamente a
idade do Thor Batista. Aos 23 anos, abandonou a faculdade de engenharia na
Alemanha para tentar ganhar dinheiro com o ouro da Amazônia. Era o auge do
garimpo lá, no começo dos anos 80. Teve até filme dos Trapalhões sobre o
fenômeno.
"Cacildis!"
Eike, então, fez
como Didi, Dedé, Mussum e Zacarias: foi tentar a sorte no garimpo. Pediu US$
500 mil emprestados a dois amigos joalheiros para se estabelecer como
comerciante de ouro no meio do mato. Comprava ouro na Amazônia e revendia no
Sudeste. Em pouco tempo, os US$ 500 mil viraram US$ 6 milhões. É mais dinheiro
do que parece. US$ 6 milhões do começo dos anos 80 equivalem a US$ 15 milhões
de hoje. Trinta milhões de reais. Não tinha nem 25 anos e já estava com quase
tanto dinheiro quanto o Renato Aragão.
Em vez de torrar
esses milhões vivendo a melhor juventude que o dinheiro pudesse comprar, Eike
fez o que parecia menos sensato: gastou tudo em máquinas que faziam extração
mecânica de ouro. E os US$ 6 milhões viraram US$ 1 milhão. Por mês. Três
milhões de reais em dinheiro de hoje. Por mês (repito aqui pra dar um tom
dramático – merece).
Ele não parou
nisso. Claro. Comprou mais minas, mais máquinas, ficou sócio de empresas
peso-pesado da mineração e, com 40 e poucos anos, chegou ao primeiro bilhão de
dólares. Entrou para a Fórmula 1 do dinheiro.
E fez uma primeira
temporada de Vettel. No começo dos anos 2000 resolveu trocar o ouro por minério
de ferro. Perfeito: se ouro vale “mais
do que dinheiro”, minério de ferro vale mais do que ouro. Por causa volume,
lógico: todo o ouro minerado na história da humanidade dá mais ou menos 140 mil
toneladas. Isso é o que a Vale extrai de minério de ferro em seis horas.
Em 2005, então, ele
fundou sua mineradora, a MMX. Um ano
e meio depois ele vendeu uma fatia dela para outra mineradora, a
Anglo-American. Pagaram US$ 5,5 bilhões. A lista da Forbes com os mais ricos do
mundo em 2007 já tinha saído, três meses antes da negociação. E o brasileiro
mais bem colocado ali era Joseph Safra, com 6 bilhões. Ou seja: o negócio com a
Anglo-American foi mais do que suficiente para que Eike fosse dormir sabendo
ser o homem mais rico do Brasil.
E se Eike não tinha
parado quando ganhou uma megasena no braço, nos tempos da Amazônia, não era
desta vez que iria amarrar o burro na sombra. O mercado passou a enxergar o
cara como uma mina de ouro. Ele deixava de ser só um nome na coleira da Luma de
Oliveira para virar a grande esperança dos investidores. E Eike aproveitou a
maré. Foi financiar sua ideia mais ambiciosa: a de construir uma concorrente da
Petrobras.
Era a OGX, seu projeto de companhia de petróleo. Em 2008 Eike lançou ações dela na bolsa. Na prática, estava vendendo 40% da OGX antes de ela virar realidade. Levantou R$ 6 bilhões nessa - era o maior IPO (venda inicial de ações) da história da Bovespa até então. Agora ele era o herói.
"E o meu cavalo só falava
inglês"
Àquela altura Eike
já tinha uma Vale e uma Petrobras para chamar de suas. Ainda que a MMX fosse
bem menor que a Vale e a OGX ainda não tivesse saído do PowerPoint, já era algo
que ninguém na história do país tinha conseguido. Mas isso era só um pedaço do
que ele tinha em mente.
Eike queria algo bem maior: montar um ecossitema de empresas,
em que uma sustentasse a outra.
Assim: uma
mineradora sempre precisa pagar para que algum porto escoe a produção dela – de
preferência para a China, o maior consumidor de minério do mundo. Então porque
não ser dono da mineradora e do porto também? Então criou a LLX, uma empresa de logística dedicada
à construção de portos. Mais: mineradoras e portos precisam de energia. E pagam
caro por isso. Então valia a pena ser dono da companhia de energia também. Eike
já tinha uma empresa de termelétricas desde 2001, a MPX. Agora, então, a MPX faria as
usinas que alimentariam as minas da MMX, os portos da LLX e as instalações da
OGX. A própria MPX seria também alimentada por outra empresa de Eike: a CCX, uma companhia de mineração de
carvão dedicada a fornecer combustível para suas termelétricas.
Ah: a OGX precisava
de um fornecedor de equipamentos de perfuração e de plataformas marítimas. Quem
fabricaria tudo isso para Eike? Eike mesmo, ué. Então ele fundou a OSX, um estaleiro sob medida para
alimentar as necessidades da OGX. E onde instalar a OSX? No porto da LLX. Porto
que, de quebra, também pode estocar petróleo da OGX…
No papel, a idéia é
irresistível: uma companhia ajudando a outra, num círculo virtuoso sem fim. O
mercado gostou. E cada uma dessas empresas teve seu IPO bilionário, o que
levaria Eike aos seus US$ 34 bilhões e à sétima posição na lista da Forbes em
2012.
Só tem um problema:
os mesmos elementos que moldam um círculo virtuoso também podem trazer um
círculo vicioso. Foi o que aconteceu. A OGX saiu do papel produzindo só
25% do que a própria empresa esperava. Nisso, a OSX enfraqueceu também: a
petroleira de Eike tem encomendas no valor de US$ 800 milhões com o estaleiro
de Eike; se a OGX vende pouco petróleo, pode não ter como pagar a OSX. Sem
essas duas funcionando a contento, a viabilidade da LLX fica em dúvida, já que
o estaleiro e a petroleira são clientes do porto. Se a LLX não deslancha,
complica para a MPX, que vende energia para ela. E aí quem pode ficar sem
cliente é a CCX…
Nisso, o mercado
passou a ver a interconexão das empresas X
mais como vício do que como virtude. E o valor de mercado delas despencou,
levando junto uma fatia da fortuna de Eike, já que o grosso de seu
patrimônio são as ações que ele tem das próprias companhias. O preço somado de
todas as ações da OGX, por exemplo, já foi de R$ 75 bilhões. Hoje é de R$ 10
bilhões. Aqui vai quanto cada uma caiu:
OSX (estaleiro):
- 77%
De R$ 9,4 bilhões (mar 2010) para R$ 2,1 bilhões
De R$ 9,4 bilhões (mar 2010) para R$ 2,1 bilhões
LLX (porto): - 75%
De R$ 5,8 bilhões (abr 2011) para R$ 1,4 bilhão
De R$ 5,8 bilhões (abr 2011) para R$ 1,4 bilhão
MPX (energia): - 28%
De R$ 8,5 bilhões (mai 2012) para R$ 6,1 bilhões
De R$ 8,5 bilhões (mai 2012) para R$ 6,1 bilhões
CCX (minas de
carvão): - 51%
De R$ 1,4 bilhões (mai 2012) para 680 milhões
De R$ 1,4 bilhões (mai 2012) para 680 milhões
Nada disso
significa que o castelo de Eike era de areia. O mercado de ações é instável por
natureza – as subidas que as empresas X experimentaram lá atrás foram até mais
intensas que essas quedas de agora. E tem a crise global. Eike esboçou seu
império antes da crise de 2008, quando o barril de petróleo estava a quase US$
200 e o apetite da China por minério de ferro parecia infinito. De lá pra cá o
preço do petróleo e o do minério caíram pela metade. Aí complica, já que esses
são os dois grandes pilares da coisa toda. Mesmo assim, ainda é cedo para
concluir que ele deu mesmo um passo maior que a perna. As pernas de Eike são
longas. E nada indica que ele vá parar por aqui.
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