"'Homem de Ferro' é um filme para idiotas", diz cineasta Alejandro Jodorowsky em Cannes



O chileno radicado francês Alejandro Jodorowsky é um dos poucos artistas do mundo a ser reconhecido como cineasta ("Santa Sangre", "A Montanha Sagrada"), quadrinista ("O Incal", que fez com Moebius), poeta e guru espiritual (ele joga Tarô e diz que faz cura espiritual).


O Festival de Cannes, em sua 66ª edição, reconheceu a importância de Jodorowsky, que apresentou "A Dança da Realidade", seu primeiro filme em 23 anos como diretor, e "Jodorowsky's Dune", um documentário de Frank Lavish sobre a versão nunca filmada do artista para o épico de ficção científica de Frank Herbert --que acabou caindo nas mãos de David Lynch, em 1984.

O plano de Jodorowsky incluía a participação de Salvador Dalí como ator, trilha do Pink Floyd, design de Moebius e H.R. Giger ("Alien") e dez horas de duração. "Mudaria a história da ficção científica para sempre", diz o diretor Nicolas Winding Refn, de "Drive".




Mas o longa nunca saiu, deixando o diretor com um storyboard raro de duas mil páginas e um sentimento de frustração. "Na época, eu fiquei muito triste, arrasado. Mas meu filho me convenceu a ver o filme de Lynch anos depois e comecei a ficar melhor no próprio cinema, quando vi que era uma grande merda", recorda-se o artista. "David Lynch é um bom diretor, mas aquilo é um filme de produtor."

Sua "Dança da Realidade" é o mais próximo que o cinema vai ver de um Jodorowsky realista. É a história de sua vida contada com seus conhecidos arroubos visuais surrealistas, desde a infância no Chile até a atribulada relação com o pai. "Depois que saí do Chile, nunca mais vi meus pais. Soube que ele morreu por causa de uma matéria da 'Variety'. Não senti nada. Fiquei muito mais triste quando meu gato morreu", dispara.

Conhecido pelo roteiro de "O Incal", talvez a maior obra de ficção científica em quadrinhos da história, Jodorowsky diz que Nicolas Winding Refn planeja adaptar a obra. "Com ele, faço qualquer coisa. Sou como um pai para Nicolas. Quando ele fez 'Drive', veio para mim pedindo conselhos, porque estava com medo de Hollywood", fala. "Nicolas faz os filmes que eu gostaria de fazer, ousados, sem preocupar-se com comércio."

Neste momento, Jodorowsky pega uma revista no quarto do hotel Martinez, onde fala com a Folha. "Cinema agora é comércio. Veja isso [aponta para uma página de propaganda de relógio com Leonardo DiCaprio]... 'O Grande Gatsby', grande atração do festival, vendendo relógio. É uma puta", manda sem papa na língua. "Poucos longas valem alguma coisa hoje em dia, porque não há arte, só dinheiro. 'Homem de Ferro', por exemplo, é um filme para idiotas."

Mas Jodorowsky nunca aceitaria trabalhar em algo assim por muito dinheiro? "Nunca, sou um artista. Uma vez me pediram para fazer um roteiro para Superman e exigiram 15 cópias. Eu perguntei: 'Por que 15 cópias? Para 15 burros lerem?'. E não aceitei fazer."

Sobre o seu "Duna" com Moebius sair em algum formato de quadrinhos ou desenho, ele dá esperança. "Nos estamos querendo, mas a mulher de Moebius quer muito dinheiro. Precisamos dos direitos para fazer, talvez, uma animação."


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